quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Lua



É em correlação com o simbolismo do Sol que se manifesta o da Lua. Suas duas características mais fundamentais derivam, de um lado, de a Lua ser privada de luz própria e não passar de um reflexo do Sol; de outro lado, de a Lua atravessar fases diferentes e mudanças de forma. É por isso que ela simboliza a dependência e o princípio feminino (salvo exceção), assim como a periodicidade e a renovação. Nessa dupla qualificação, ela é símbolo de transformação e de crescimento (crescente da Lua).

A lua é um símbolo dos ritmos biológicos: Astro que cresce, descrece e desaparece, cuja vida depende da lei universal do vir-a-ser, do nascimento e da morte... a lua conhece uma história patética, semelhante à do homem ... mas sua morte nunca é definitiva...Este eterno retorno às suas formas iniciais, esta periodicidade sem fim fazem com que a lua seja por: águas, chuva, vegetação, fertilidade...(ELIT,139).

A Lua é símbolo dos ritmos biológipassa, o tempo vivo, do qual ela é a medida, por suas fases sucessivas e regulares. A Lua é o instrumento de medida universal. O mesmo simbolismo liga entre si a Lua, as Águas, a Chuva, a fecundidade das mulheres, a dos animais, a vegetação, o destino do homem depois da morte e as cerimônias de iniciação. As sínteses mentais tornadas possíveis pela revelação do ritmo lunar colocam em correspondência e unem realidades heterogêneas; suas simetrias de estruturas ou suas analogias de funcionamento não poderiam ter sido descobertas, se o homem primitivo não tivesse intuitivamente percebido a lei de variação periódica do astro(ELIT,140).

A Lua é também o primeiro morto. Durante três noites, em cada mês lunar, ela esta como morta, ela desapareceu… Depois reaparece e cresce em brilho. Da mesma forma, considera-se que os mortos adquirem uma nova modalidade de existência. A Lua é para o homem o símbolo desta passagem da vida à morte e da morte à vida; ela é até considerada, entre muitos povos, como o lugar dessa passagem, a exemplo dos lugares subterrâneos. É por isso que numerosas divindades lunares são ao mesmo tempo ctônicas e fúnebres: Men, Perséfone, provavelmente Hermes… A viagem à Lua ou até a vida imortal na Lua depois da morte terrestre são reservadas, segundo certas crenças, a privilegiados: soberanos, heróis, iniciados, mágicos (ELIT,152, pp 139-164, todo o capítulo sobre a lua e a mística lunar).

A Lua é um símbolo do conhecimento indireto, discursivo, progressivo, frio. A Lua, astro das noites, evoca metaforicamente a beleza e também a luz na imensidade tenebrosa. Mas, como essa luz não é mais que um reflexo na luz do Sol, a Lua é apenas o símbolo do conhecimento por reflexo, isto é, do conhecimento teórico, conceptual, racional; é nesse ponto que é ligada ao simbolismo da coruja. É também por isso que a Lua é yin em relação ao Sol yang: ela é passiva, receptiva. Ela é a água em relação ao fogo solar, o frio em relação ao calor; o norte e o inverno simbólicos opostos ao sul e ao verão.

A Lua produz a chuva; os animais aquáticos, professa Huai-nan-tse, crescem e decrescem com ela. Passiva e produtora da água, ela é fonte e símbolo de fecundidade. Ligada à águas primordiais de onde procede a manifestação. É o receptáculo dos germes do renascimento cíclico, a taça que contém a bebida da imortalidade: por isso é chamada soma, como essa bebida. Da mesma forma, Ibd al-Farid faz dela a taça que contem o yin do conhecimento, e os chineses vêem nela a lebre moendo os ingredientes necessários para preparar o Elixir da vida; tirar daí o orvalho, que possui as mesmas virtudes.

No hinduísmo, a esfera da lua é o resultado da via dos ancestrais (pitri-yana). Nela eles não são libertados da condição individual, mas produzem a renovação cíclica. As formas terminadas dissolvem-se na Lua, as formas não dissolvidas emanam dela. O que não deixa de ter ligação com o papel transformador de Xiva, cujo emblema é um crescente de Lua. A Lua é, por outro lado, o regente dos ciclos hebdomadário e mensal. Esse movimento cíclico (fase do crescimento e fase minguante) pode ser relacionado com o simbolismo lunar de Jano: a Lua é, ao mesmo tempo, porta do Céu e porta do Inferno, Diana e Hécate, sendo o céu referido, entretanto, apenas o cume do edifício cósmico. A saída do cosmo se efetuará pela porta solar. Diana seria o aspecto favorável, Hécate o aspecto temível da Lua (DANA, GRAD, GUEV, GUED, GUES, SUOL).

A festa da Lua, cuja deusa é Heng-ugo, é uma das três grandes festas chinesas anuais: realiza-se no décimo quinto dia do oitavo mês, na lua cheia do equinócio do outono. O sacrifício consiste em frutas, doces açucarados que se fabricam e vendem nessa ocasião e num ramo de flores de amaranto-vermelho. Os homens não participam da cerimônia. É obviamente uma festa das colheitas: a Lua é aqui o símbolo da fecundidade. A Lua é de água, ela é a essência do yin: como o Sol, é habitada por um animal, que é ou uma lebre (que da pra ser vista, de certa forma, quando se olha pra lua), ou um sapo (MYFT, 126-127).

Os povos altaicos saudavam a Lua Nova, pedindo-lhe a felicidade e a sorte(ibid). Os estoianos, os finlandeses, os iacutos celebram os casamentos na Lua Nova. Para eles, também, ela é um símbolo de fecundidade.

A Lua é, às vezes, afetada por um signo nefasto. Para os samoiedos (para quem nunca ouviu falar consta no filme de fábula “A Bússola de Ouro”), seria o olho mau de Num (o Céu), do qual o sol seria o olho bom.

Entre os maias, por exemplo, o deus Itzamna (casa de cintilação =Céu), filho do ser supremo, é comparado ao deus solar Kinich Ahau (Senhor - Rosto do Sol). É por isso que Ixchel, deusa da Lua, era sua companheira, mas também seu aspecto hostil, mau, que possui os mesmos traços dele, se bem que use sobre a fronte uma tira de serpentes, atributo das deusas (KRIR, 98).

Como a Lua rege a renovação periódica, tanto no plano cósmico como no plano terrestre, vegetal, animal e humano, as divindades lunares, entre os astecas, compreendem os deuses da embriaguez; por um lado, porque o bêbado, que adormece e acorda sem de nada se lembrar, é uma expressão de renovação periódica (SOUM); por outro lado, porque a embriaguez acompanha os banquetes que se fazem nas colheitas e são, portanto, a expressão da fertilidade. Encontram-se aqui os ritos da colheita, presentes em todas as civilizações agrárias. Os astecas nomeavam as divindades da embriaguez os quatrocentos coelhos; o que sublinha a grande importância do coelho no bestiário lunar.

Ainda entre os astecas, a Lua é filha de Tlaloc, deus das chuvas, também associado ao fogo. Na maioria dos códices mexicanos, a Lua é representada por uma espécie de recipiente em forma crescente, cheio de água, no qual sobressai a silhueta de um coelho(SOUM).

Entre os maias, ela é um símbolo de preguiça e de desregramento sexual (THOH). É também a padroeira da tecelagem e, nessa qualificação, tem a aranha como atributo.

Entre os incas, segundo Means (MEAA), a Lua tinha quatro acepções simbólicas. Em primeiro lugar, era considerada como uma divindade feminina, sem ligação com o Sol; depois, como o deus das mulheres, sendo o Sol o deus dos homens; após, como esposa do Sol, concebendo dele as estrelas; enfim, no último grau de seu pensamento filosófico-religioso, sendo as duas divindades os filhos do supremo deus uraniano Viracocha. Além de sua função primordial de rainha dos céus e de tronco da raça imperial inca, reinava sobre o mar e os ventos, sobre as rainhas e as princesas, e era a padroeira dos partos.

A divinização dos dois grandes lumes não faz sempre da Lua a esposa do Sol. Assim, para os índios gês do Brasil central e nordestino, esse astro é uma divindade masculina, que não tem nenhum grau de parentesco com o Sol (ZERA)

Da mesma forma, em todo o mundo semítico do Sul 9árabe, sul-arábico, etíope), a Lua é do sexo masculino, e o Sol de natureza feminina, porque para esses povos nômades e caravaneiros, a noite é que é repousante e doce, propícia às viagens. Entre muitos povos não-nômades, a Lua é também de natureza masculina (SOUL, 154). É o guia das noites.

Na tradição judia, a Lua simboliza o povo dos hebreus. Assim como a Lua muda de aspecto, o hebreu nômade modifica continuamente seus itinerários. Adão é o primeiro homem a começar uma vida errante (Gênesis 3, 24), Caim será um vagabundo (4, 14). Abraão recebe uma ordem de Deus, dizendo-lhe para deixar seu país e a casa de seu Pai (13, 1); sua posteridade sofrerá a mesma sorte: a diáspora, o Judeu errante, etc.

Os cabalistas comparam a Lua que se esconde e se manifesta à filha do rei. A Lua aparece e esse retira, trata-se sempre da alternância de fases visíveis e invisíveis.

No Gênesis (38, 28-30), Tamar grávida, está a ponto de dar à luz, tem dois gêmeos dentro de si. No momento do parto, uma das crianças põe a mão para fora, e a parteira coloca nela um fio escarlate, dizendo: será o primeiro. Mas a criança puxa a mão para dentro de novo, e seu irmão sai em primeiro lugar; foi chamado de Farés, o segundo tomou o nome de Zara. Ora, o nome da palmeira é Tamar, onde se encontram simultaneamente o masculino e o feminino. É por isso, segundo o Bahir, que os filhos de Tamar são comparados ao Sol e à Lua (SCHK, 107,186), que sai e torna a entrar, para deixar passar em primeiro lugar o Sol.

A Lua (em árabe Qamar) é mencionada com freqüência no Corão. É, como sol, um dos signos do poder de Alá (41, 37). Criada por Alá (10, 15), a Lua lhe rende homenagem (22,18). Alá submeteu-a aos homens (14, 37) para que ela lhes medisse o tempo, principalmente por meio de suas quadraturas (10, 5; 36, 39), de seus crescentes (2, 185). Seu ciclo permite o cálculo dos dias (55, 4; 6, 96). Mas no dia do Julgamento que estará próximo quando se vir a Lua rachar (50, 1), ela s reunirá ao Sol e se eclipsará (75, 8-9) (RODL)

Existem dois calendários no Islã; um solar, por causa das necessidades da agricultura; o outro lunar, por razões religiosas, sendo a Lua o regulador dos atos canônicos.

O próprio Corão emprega um simbolismo lunar. As fases da Lua e o crescente evocam a morte e a ressurreição.
Ibn al-Mottaz (morto em 908) foi o primeiro a encontrar, dez séculos antes de Hugo, a imagem célebre:

Olha a beleza do crescente que, acabando de aparecer, rasga as trevas com seus raios de luz. Como uma foice de prata que, entre as flores brilhando na obscuridade, colhe narcisos.
A primeira lembrança que ocorre, quando se deseja descrever algo excessivamente belo e mostrar sua extrema perfeição, é dizer: umaface semelhante à Lua…

Para Jalal-od Din Rumi (morto em 1273), o Profeta reflete Deus como a Lua reflete a luz do Sol. Também o místico, que vive do brilho de Deus, se parece com a Lua, pela qual se guiam os peregrinos de noite.

Como a terra, o Sol e os elementos, a Lua (esca) serve de garantia nas fórmulas usuais do juramento irlandês. O calendário céltico, que se conhece sob sua forma lunar-solar em Coligny, era lunar originalmente: é por este astro (a Lua) que os gauleses determinam seus meses e anos, assim como seus séculos de trinta anos (Plínio Hist. Nat. 16,249; OGAC,13, 521 s.).

Vê-se aparecer nas manchas da Lua todo o bestiário lunar, segundo a imaginação dos diferentes povos.

Na Guatemala e no México, elas representam um coelho e às vezes um cachorro. No Peru, um jaguar ou uma raposa.
Mas, ainda no Peru, como também no folclore europeu, certas tradições vêem nelas os traços de um rosto humano, enquanto, segundo uma tradição dos incas, são feitas de poeiras que o Sol teria por ciúme jogado na face da Lua, par obscurecê-la, por julgá-la mais brilhante que ele próprio (MEAA, LECH).

Para os iacutos, as manchas da lua representam uma menina que leva sobre os ombros uma vara com dois baldes de água. A mesma imagem é completada por um vimeiro entre os buriatas. Uma figuração análoga circulou na Europa e se encontra entre alguns povos da costa noroeste da América, tais como os tlingits e os haidas (HARA, 133-134).

Os tártaros que Altai vêem nelas um velho canibal, que foi raptado da terra pelos deuses, para poupar a humanidade. Os povos altaicos enxergam uma lebre. Cachorros, lobos, ursos habitam a Lua ou figuram em mitos relativos às mudanças de fase na Ásia Central, especialmente entre os golds, os gilliaks, os buriatas.

A Lua, cujo disco aparente é do mesmo tamanho do Sol, tem na astrologia um papel especialmente importante. Simboliza o princípio passivo, mas fecundo, a noite, a umidade, o subconsciente, a imaginação, o psiquismo, a receptividade, a mulher e tudo que é instável, transitório, e influenciável, por analogia com seu papel de refletor da luz solar. A Lua faz a volta no Zodíaco em 28 dias, e muitos historiadores pensam que o Zodíaco lunar das 28 moradas (pouco utilizado atualmente na astrologia ocidental) é mais que o Zodíaco solar dos 12 signos; o que explica a importância da Lua em todas as religiões e tradições.

Os budistas crêem que Buda meditou 28 dias debaixo da figueira, isto é, um mês lunar, ou um ciclo perfeito do mundo sublunar, antes de atingir o Nirvana e chegar ao conhecimento perfeito dos mistérios do mundo. Os brâmanes ensinam que acima do estado humano há 28 estados angélicos ou paradisíacos, isto é, que a influência lunar se exerce tanto sobre os planos sutis, sobre-humanos, como sobre o mundo físico. Os hebreus ligam o Zodíaco lunar às mãos de Adão Kadmon, o homem universal – 28 sendo o número da palavra cHaLaL = vida, e das falanges das duas mãos. A mão direita, a que abençoa, tem relação com a Lua crescente, e mão esquerda, a que lança malefícios, com os 14 dias da Lua minguante. As imagens simbólicas das 28 moradas lunares hindus figuram na Astronomia Indiana do abade Guérin (Paris, 1847).
Fonte de inumeráveis mitos, lendas e cultos que dão às deusas a sua imagem (Ísis, Istar/Ishtar, Ártemis ou Diana, Hécate,…), a Lua é um símbolo cósmico de todas as épocas, desde os tempos imemoriais até nossos dias, generalizando em todos os horizontes.

Na mitologia, folclore, contos populares e poesia, este símbolo diz respeito à divindade da mulher e à força fecundadora da vida, encarnadas nas divindades da fecundidade vegetal e animal, difundidas no culto da Grande Mãe (Mater Magna). Essa corrente eterna e universal se prolonga no simbolismo astrológico, que associa ao astro das noites a presença da influência materna no indivíduo, enquanto mãe-alimento, mãe-calor, mãe-carinho, mãe-universo afetivo.

Para o astrólogo, a Lua fala, no interior da constelação de nascimento do indivíduo, da parte da alma animal, representada nessa região em que domina a vida infantil, arcaica, vegetativa, artística e anímica da psique. A zona lunar da personalidade é esta zona noturna, inconsciente, crepuscular de nossos tropismos, de nossos impulsos instintivos. É a parte do primitivo que dormita em nós, vivaz ainda no sono, nos sonhos, nas fantasias, na imaginação, e que modela nossa sensibilidade profunda. É a sensibilidade do ser íntimo entregue ao encantamento silencioso de seu jardim secreto impalpável canção da alma, refugiado no paraíso de sua infância, voltado sobre si mesmo, encolhido num sono da vida; senão entregue à embriaguez no instinto, abandonado ao transe de um arrepio vital que arrebata sua alma caprichosa, vagabunda, boêmia, fantasiosa, quimérica, ao sabor da aventura…

A Lua é também o símbolo do sonho e do inconsciente, bem como dos valores noturnos. Entre os dogons, a raposa clara Yurugu, mestre da divinação, a única a conhecer a primeira palavra de Deus, que só aparece aos homens nos seus sonhos, simboliza a Lua (ZAHD).

Mas o inconsciente e o sonho fazem parte da vida noturna. O complexo simbólico lunar e inconsciente associa à noite os elementos água e terra, com sua qualidades de frio e umidade, em oposição ao simbolismo solar e consciente, que associa ao dia os elementos ar e fogo, e as qualidade de calor e secura.

A vida noturna, o sonho, o inconsciente, a Lua são todos termos que têm parentesco com o domínio misterioso do duplo; nesse sentido, é impressionante ver a Lua ser associada, numa lenda buriata, à bela metáfora de lança do eco (HARA, 131).

Segundo a interpretação de Paul Diel, a Lua e a noite simbolizam a imaginação do mal sã, oriunda do subconsciente; acrescenta-se que o autor compreende por subconsciente: a imaginação exaltada e repressora (DIES, 36). Essa simbolização se aplica, em numerosas culturas, a toda uma série de heróis ou divindades, que são lunares, noturnas, inacabadas, maléficas.

A Lua – ou O Crepúsculo – 18º arcano principal do Tarô, exprimiria, segundo certos intérpretes, o enterro do espírito na matéria (Enel); a neurastenia, a tristeza, a solidão, as doenças (G. Muchery); o fanatismo, a falsidade, a falsa segurança, as aparências enganadoras, o falso caminho, o roubo cometido por pessoas próximas ou serviçais, as promessas sem valor (Th. Tereschenko); o trabalho, a conquista penosa do verdadeiro, a instrução pela dor ou pelas ilusões, as decepções, as armadilhas, as chantagens e os extravios (O. Wirth). Esse arcano completa as significações de O Enamorado e, como esta lâmina, corresponde em astrologia à sexta casa do horóscopo. Acrescentemos que a Lua de um Tarô francês do começo do século XVIII, citado por Gérard van Rijnbeck, não ilumina os dois cães que latem, como nos baralhos comum, mas uma vaca, uma cegonha e uma ovelha; o que se pode relacionar com a atribuição tradicional dos animais domésticos da sexta casa do horóscopo.

Convém, entretanto, examinar essa lâmina mais de perto: a Lua aparece dividida em três planos. Do disco lunar azul, no qual está desenhado um perfil num crescente, partem vinte e nove raios: sete azuis, sete brancos, menos, quinze vermelhos. Entre o céu e a terra, oito gotas azuis, seis vermelhas e cinco amarelas parecem ser aspiradas pela Lua.

O solo, amarelo, é acidentado e tem apenas duas pequenas plantas de três folhas, enquanto, no fundo, da paisagem, à direita e à esquerda, se erguem duas torres com ameias de lados cortados, que parecem estar uma a céu aberto, a outra coberta. No centro da paisagem, dois cães cor-de-carne (ou um lobo e um cão) aparecem face a face, de goela aberta, como se uivassem, e é possível se perguntar se o da direita não tomar uma das gotas azuis.

Enfim, no terço inferior da lâmina, no meio de um espelho de água azul riscada de preto, avança um enorme caranguejo visto de costas, igualmente azul.

Esses três planos bem distintos são os dos astros, da terra e das águas. A Lua que os rege ilumina apenas por reflexo e aspira para si todas as emanações desse mundo. Quer tenham a cor do espírito e do sangue da alma de sua força oculta, ou do ouro triunfante da matéria. Os dois cães Cérberos, guardiães e psicopompos, latem para a Lua e nos lembram que, em toda a mitologia grega, eles foram animais consagrados a Ártemis, caçadora lunar, e a Hécate, tão poderosa nos Céus como nos Infernos, o que é sugerido pelas duas torres, limites dos dois mundos opostos. O próprio caranguejo foi amiúde associado à Lua por sua marcha de trás para frente, semelhante à do astro. Mas a Lua sempre foi considerada mentirosa, e não deve-se restringir a essa aparência cósmica, porque essa lâmina tem uma significação mais profunda e de ordem psíquica. A Lua, diz Plutarco, é a morada dos homens bons depois de sua morte. Levam aí uma vida que não é nem divina, nem feliz, mas, contudo, isenta de preocupação, até a sua segunda morte. Porque o homem deve morrer duas vezes (RIJT). Assim a Lua é a morada dos humanos entre a desencarnação e a segunda morte, que será o prelúdio do novo nascimento.

As almas, sob forma de gotas de três cores diferentes, correspondendo talvez a três graus de espiritualização, sobem então para a Lua, e, se os cães procuram assustá-las, é para que não ultrapassem os limites proibidos, onde a imaginação se perderia. O mundo dos reflexos e das aparências não é o da realidade. O caranguejo está só, nas águas azuis inundadas de claridade lunar; evoca o signo astrológico de Câncer, que é tradicionalmente o domicílio da Lua e favorece a introspecção, o exame de consciência. Como o escaravelho egípcio, devora o que é transitório e participa na regeneração moral.

Na via da iluminação mística, aonde conduz o décimo sétimo arcano (A Estrela), a Lua ilumina o caminho, sempre perigoso, da imaginação e da magia, enquanto o Sol (arcano XIX) abre a estrada real da iluminação e da objetividade.

(Chevalier, Jean, 1906 - Dicionário de símbolos:(mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números)/Jean Chevalier, Alain Gheerbrant, com a colaboração de: André Barbault...[et al.]; coordenação Carlos Sussekind; tradução Vera da Costa e Silva...[et al.]. - 19º ed. - Rio de Janeiro:José Olympio, 2005, p. 561-566.)

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